18 anos de uma imagem histórica.
Em 1993 o fotógrafo sul-africano Kevin Carter, fotografou a imagem de um bebê do Sudão, caído no chão, enquanto no mesmo plano um abutre esperava pacientemente pela refeição; a imagem entrou para a história, lhe renderia o prêmio Pulitzer de 1994, e muita polêmica, que chaga até os dias de hoje.
Publicada pelo jornal New York Times, a fotografia denunciava a situação de fome extrema no Sudão em tempos de guerra civil, que naquele ano matou cerca de 600 mil pessoas, chocou a opinião publica que passou a questionar o papel do jornalista e da imprensa em situações extremas, deve o jornalista interferir ou apenas registrar?
O fotógrafo, e a imprensa, foram comparados ao abutre desta imagem, sempre à espreita para obter lucro.
O suicídio de Carter, pouco tempo depois de ser premiado, só aumentou a polêmica, pois alguns relacionaram seu suicídio à imagem, mas Carter já tinha tentado matar-se anos antes, consumia droga há vários anos e na carta de despedida enumerou vários motivos para a sua decisão, nunca se referindo a esta imagem.
Como neste ano a imagem completa 18 anos, o jornal espanhol El Mundo resolveu pesquisar o caso, o que resultou na descoberta de que a criança fotografada sobreviveu à aquele momento de sofrimento retratado por Carter.
Segundo o jornal, o bebê era um menino, chamava-se Kong Nyong, e sobreviveu ao abutre.A enfermeira Florence Mourin, que coordenava os trabalhos do programa das Nações Unidas para o combate à fome no Sudão em Ayod, o local onde tudo aconteceu, revelou que o menino era acompanhado, como prova a pulseira branca na mão direita, que se podia ver na fotografia premiada. Uns tinham a letra T nas pulseiras, para casos de subnutrição grave. Outros tinham a letra S, quando precisavam de suplementos alimentares. Kong, que tinha marcada na pulseira a inscrição T3, sofria de subnutrição grave, foi o terceiro a chegar ao centro das Nações Unidas. E sobreviveu, conta Florence ao El Mundo, que foi até Ayod para reconstituir, 18 anos depois, a história daquela imagem.
Na cidade, a fotografia premiada de Carter não causa o mesmo espanto e indignação que causou no mundo Ocidental, para eles a convivência com os abutres, que são comuns na região, e cenas de miséria não chocam por fazerem parte de suas vidas.
O encontro com o pai da criança gerou uma nova imagem emocionante e revelou que Kong viveu até 2007, depois morreu de “febres”, segundo suas palavras.
A polêmica sobre a imagem e a história de Carter talvez mostrem uma caracteristica de nossa sociedade Ocidental, que deu grande importância ao fato jornalístico e se esqueceu do real motivo da imagem, a guerra civil e a fome. Enquanto se discutia se o fotógrafo deveria ou não ter registrado a imagem, ter salvado a criança, como fez afastando o abutre depois de fazer a fotografia, como relatou inúmeras vezes; a discussão sobre a veiculação da imagem como sendo sensacionalismo ocupou tamanho espaço que ninguém se preocupou em saber da situação daquela criança.
Talvez a imagem tenha incomodado o Ocidente por sabermos que parte da culpa das situações de pobreza extrema no mundo sejam culpa da riqueza das nações desenvolvidas, e ver aquela imagem nos lembrava disso, assim a criança da imagem se tornou um problema secundário. Somente agora com a iniciativa do El Mundo sabemos um pouco do outro lado desta história.
Não é a primeira vez que se procura reviver e explicar uma imagem, várias imagens que se tornaram ícones da fotografia mundial foram pesquisadas e questionadas, mas talvez nenhuma delas com tanto impacto e emoção quanto esta.
Um bom momento para se pensar no papel do fotojornalista, que nos dias de hoje parece secundário, mas que ainda atua como um agente construtor de uma memória do nosso mundo.
Leia mais sobre o tema:
O pai segura a fotografia de seu filho 18 anos depois. El Mundo (A. Rojas).
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